Como se abre o espaço? Não resulta ele numa “localização”, e esta, por sua vez, através de um duplo modo de receber e de organizar?
Assim, localizar possibilita qualquer coisa. Deixa-se surgir do aberto que, entre outras coisas, possibilita a aparição na presença de coisas às quais a habitação humana se encontra reenviada.
De seguida, localizar prepara para as coisas a possibilidade de se pertencerem umas às outras, cada uma no seu lugar e a partir deste mesmo.
No desdobramento dual deste localizar tem lugar aquilo que dá lugar. A característica deste ter-lugar é esse dar lugar. Portanto, o que é o lugar, se a sua propriedade deve ser determinada pelo fio condutor da localização que liberta?
O lugar abre de cada vez uma região, na qual agrupa as coisas a partir da sua co-pertença <Zusammengehören> no seio desta.
No lugar faz-se o agrupamento no sentido do proteger que libera as coisas na sua região.
E a região? A mais antiga forma da palavra, em alemão, é «Gegnet». Esta nomeia a livre vastidão <die freie Weite>. Por ela, o aberto é remetido ao estado de deixar abrir e desabrochar cada coisa no seu próprio repouso. Isto quer dizer, ao mesmo tempo: tomar em atenção o (re)agrupamento das coisas na sua correlação <Zueinandergehören>.
Assim, a questão perfura: os lugares são pura e simplesmente resultado e produto do espaçamento? Ou, pelo contrário, o espaçamento recebe a sua propriedade (o que lhe é próprio) a partir do vigor dos lugares reunidos? Se nos aproximamos do verdadeiro, então teremos que procurar o próprio do espaçar na fundação <Gründung> de localidade, e pensar a localidade como conjugação <Zusammenspiel> de lugares.
Devemos prestar atenção ao facto e à maneira como este jogo recebe, a partir da vastidão liberta <der freien Weite> da região, o reenvio à co-pertença das coisas. Devemos aprender a reconhecer que as coisas são já de si os lugares – e não fazem senão estar situadas no seu lugar.
Neste caso, vemo-nos constrangidos à já antiga tarefa de focar um aspecto para lá da questão: o lugar não se encontra no interior de um espaço dado à partida, do tipo do espaço físico-técnico. Este último é que somente se desdobra a partir do vigorar dos lugares de uma região.
Torna-se necessário pensar a margem de reciprocidade <das Ineinanderspiel> entre a Arte e o Espaço, a partir da experiência do lugar e da região.
A Arte como plasticidade: não como um manuseamento do espaço.
A escultura não será um debate com o espaço.
A escultura seria então uma incorporação de lugares que, abrindo uma região e preservando-a, teriam reunidos à sua volta qualquer coisa de livre que permite a estadia a todas as coisas e habitação ao homem no meio destas.
Que devém, assim sendo, o volume das obras plásticas que a cada vez incorpora um lugar? Sem dúvida, não delimitará uns espaços em relação aos outros, nos quais as superfícies englobariam um interior fazendo aparecer, em contrapartida, um exterior. Aquilo que é nomeado “volume” deve perder o seu nome – já que a sua significação não é mais antiga que a moderna tecno-ciência da Natureza.
A procura de lugar e a modulação de lugar, características da incorporação plástica, continuariam, assim, sem nome.
E que surgiria do vazio do espaço? Mormente, este aparece só como uma falta. O vazio passa, então, por defeito de preenchimento de espaços ocos <Hohlräumen> e intervalares <Zwischenräumen>.
No entanto, provavelmente, o vazio é o irmão da propriedade dos lugares, e, por essa razão, não um defeito, mas um pôr-a-descoberto.
De novo, a língua pode dar-nos um sinal. No verbo «leeren» <esvaziar> fala o «Lesen» <Ler> no sentido original de “recolher”, o recolher que vigora no lugar.
Esvaziar o copo quer dizer: recolhe-lo mostrando-se a devir livre no seu ser.
Esvaziar de um cesto os frutos colhidos, quer dizer: preparar-lhe esse lugar.
O vazio não é o nada. Também não é uma falta. Na incorporação plástica o vazio joga de modo a procurar o estabelecimento dos lugares pela sua abertura.
Os apontamentos precedentes não conduzem, certamente, muito longe, para mostrar, desde logo, o próprio da escultura como género das artes plásticas com clareza suficiente. A escultura: uma incorporação que põe-em-obra lugares, e com estes uma abertura de regiões para uma possível habitação dos homens e uma possível estadia das coisas que os circundam e concernem.
A escultura: incorporação da verdade do ser na sua obra edificadora de lugares.
Um olhar cuidado sobre a propriedade da Arte deixa supor que a verdade enquanto desvelamento do ser não está necessariamente vinculada à incorporação.
Goethe diz: “Nem sempre é necessário que o verdadeiro se incorpore; basta que flutue pelos ares espiritualmente e se realize por uma electiva afinidade, que como o sincero soar uníssono preenche a atmosfera”.
Sobre a arte:
Holzwege, 1950, “Der Ursprung des Kunstwerkes”, erweitert in Reclams-Universalbibliothek Nr. 8446/47 1960.
Vorträge und Aufsätze, 1954, “Dichterisch wohnet der Mensch”.
Sobre o espaço:
Sein und Zeit, 1927, §§ 22-24, Die Räumlichkeit des Daseins.
Vorträge und Aufsätze, 1954, “Bauen – Wohnen – Denken”.
Gelassenheit, 1959, Aus dem Feldweggespräch über das Denken.