"[...]mas faz-nos esboçar uma realidade supra-sensível compatível com o uso experimental da nossa razão. Sem uma tal precaução, não saberíamos fazer o mínimo uso de semelhante conceito e deliraríamos ao invés de pensarmos.[...]"

10
Ago 09

 O motivo de tanto work in progress é este.

escrito por José Carlos Cardoso às 17:58

20
Jul 09

O primeiro fundamento da diferença das regiões no espaço seria, para avançar uma hipótese meramente funcional que pede, antes de mais, para ser explicitada, o spatium (espaço topológico) corporal, abertura e imagem.

escrito por José Carlos Cardoso às 23:49

19
Jul 09
Portanto, visamos provar que o fundamento da determinação completa e geral de uma forma corporal não repousa exclusivamente na relação e na situação das suas partes, umas em relação às outras, mas, além disso, numa relação que mantém com o espaço absoluto e geral, tal como os geómetras o representam, e embora esta relação não possa ser percebida imediatamente, podem ser aquelas diferenças entre corpos que dependem única e exclusivamente deste fundamento. Quando duas figuras, traçadas numa superfície plana, são iguais e similares, sobrepõem-se. Já o mesmo não acontece com a extensão corporal ou mesmo com linhas e planos que não se encontram numa superfície plana. Podem ser completamente iguais e similares e, contudo, ser em si mesmas tão diferentes que os limites de uma não podem ser, simultaneamente, os limites da outra. Uma porca cuja rosca se direcione da direita para a esquerda nunca entrará num parafuso cujo fio da rosca esteja orientado da esquerda para a direita, não obstante a sua espessura, altura e número de voltas iguais. Um triângulo esférico pode ser completamente igual e similar a outro, sem, no entanto, o recobrir. Temos, ainda, o exemplo mais comum e claro nos membros do corpo humano, que são ordenados simetricamente no plano vertical do mesmo. A mão direita é igual e similar à esquerda, e se olharmos apenas para uma delas isoladamente, para a proporção e situação recíproca das partes e para a grandeza do todo, uma descrição completa de uma também é inteiramente válida para a outra.
 
[382] Designo um corpo completamente igual e similar a outro, e que, mesmo assim, não pode ser incluído nos mesmos limites, como a sua réplica incongruente. Para demonstrar a sua possibilidade suponha-se um corpo que não é constituído por duas partes ordenadas simetricamente, em relação a um plano de intersecção único, digamos, uma mão humana. Faça-se partir de todos os pontos da sua superfície linhas perpendiculares a um quadro que se dispôs à sua frente, e prolongue-se estas linhas por detrás do quadro, até uma distância idêntica à que o separa dos pontos situados à sua frente; os pontos terminais das linhas, assim prolongadas, constituem, depois de unidos, uma figura corporal que é a réplica incongruente da figura anterior, quer dizer: se a mão dada é uma mão direita, a sua réplica é uma mão esquerda. O reflexo de um objecto no espelho assenta nos mesmos fundamentos. Pois o objecto aparece sempre atrás do espelho na mesma distância em que se encontra diante dele, e, por isso, a imagem de uma mão direita nele será sempre a de uma esquerda. Se o próprio objecto é composto de duas metades de réplicas incongruentes, como o corpo humano, quando este se divide por um corte vertical da frente para trás, então aí a sua imagem é-lhe congruente, o que facilmente se percebe quando o pensamos a dar meia volta; dado que a réplica da réplica de um objecto lhe será, necessariamente, congruente.
 
Isto deve ser suficiente para apreender a possibilidade de espaços completamente iguais e similares e mesmo assim incongruentes. Passemos agora à utilização filosófica destes conceitos. Já é evidente nos exemplos comuns das duas mãos que a figura de um corpo pode ser completamente similar à figura de outro, sendo também a grandeza da sua extensão totalmente igual, de tal modo que reste ainda uma diferença interna, a saber, que a superfície que inclui um não possa encerrar o outro. Visto que essa superfície, que limita o espaço corporal de um, não serve de limite para o outro, mesmo rodando-a e virando-a como quisermos, então essa diferenciação tem de se basear num fundamento interno. Porém, este fundamento interno da diferenciação não pode depender de modo distinto das ligações das partes do corpo umas com as outras; pois, como se viu pelo exemplo dado, a este respeito tudo pode ser completamente idêntico. Não obstante, se imaginarmos o primeiro elemento de criação como sendo uma mão humana[383], direita ou esquerda forçosamente, sendo que para a sua produção seria necessário um acto diferente da causa criadora do que aquele pelo qual a sua réplica pode ser criada.
 
Ora, se aceitarmos a concepção de muitos filósofos recentes, nomeadamente alemães, segundo a qual o espaço consistiria apenas nas relações externas das partes da matéria situadas umas ao lado das outras, então nesse caso todo o espaço efectivo seria apenas aquele que esta mão ocupa. Visto que, contudo, não há nenhuma diferença na relação das partes entre si da mesma, quer ela seja direita ou esquerda, então essa mão seria, no que se refere a essa qualidade, completamente indeterminada, isto é, ela serviria em ambos os lados do corpo humano, o que é impossível.
 
De tudo isto, ressalta claramente que as determinações do espaço não são consequência das situações das partes da matéria, umas em relação às outras, mas que estas são consequência daquelas; que, na estrutura dos corpos se podem encontrar diferenças e mesmo verdadeiras diferenças que dizem respeito ao espaço absoluto e originário, pois só ele torna possível a relação das coisas corporais. E, já que o espaço absoluto não é o objecto de uma sensação exterior, mas um conceito fundamental que, antes de mais, é dela condição de possibilidade, só podemos perceber o que, na forma de um corpo, diz respeito unicamente à sua relação com o espaço puro por oposição simétrica aos outros corpos.
 
Assim, um leitor perspicaz considerará o conceito de espaço tal como o pensa o geómetra, e também como foi adoptado nas ciências da Natureza por alguns filósofos sagazes, e não como uma simples quimera, se quiser apreender a sua realidade, que é suficientemente intuída pelo sentido interno, por via das idéias da Razão, ainda que continuem a abundar dificuldades atritas a este conceito. De qualquer maneira, sente-se este incómodo sempre que se quiser filosofar sobre os primeiros dados do nosso conhecimento, não sendo este nunca tão desagradável quanto aquele que emerge quando a experiência mais evidente contradiz as consequências de um conceito adoptado.
 
Kant, I. “Von dem ersten Grunde des Unterschiedes der Gegenden im Raume” (1768), Ak. II, pp. 375-383.
escrito por José Carlos Cardoso às 23:28

15
Jul 09

 

[377] O célebre Leibniz obteve muitos conhecimentos efectivos com os quais enriqueceu as ciências, mas ainda tinha mais ambiciosos projectos, cuja realização o mundo esperou dele em vão. Não quero aqui propor se as causas disto mesmo assentam no facto de as suas tentativas lhe parecessem demasiados incompletas, modéstia própria dos homens de mérito e que privou o conhecimento de todos os tempos de valiosos fragmentos, ou se com ele se passou aquilo que Boerhaave dizia dos grandes químicos, que alegavam frequentemente poder obter resultados como se estivessem na posse dos mesmos, quando, em rigor, encontravam-se apenas convencidos e seguros na sua capacidade técnica para produzi-los, cuja execução não poderia falhar se a quisessem empreender. Pelo menos, parece que uma certa disciplina matemática, que ele antecipadamente intitulou de analysis situs, e cuja perda foi lamentada, entre outros, por Buffon, ao considerar as dobras naturais nos embriões, nunca passou de uma ambição. Não sei ao certo em que medida a temática que aqui me disponho considerar tem afinidades com o que o grande homem mencionado tinha em mente, a julgar apenas pelo sentido das palavras; procuro aqui, filosoficamente, o primeiro fundamento de possibilidade daquilo cujas grandezas ele tencionara determinar  matematicamente. Pois a situação das partes do espaço nas suas relações recíprocas pressupõe a região em função da qual estão ordenadas segundo uma tal relação e, no sentido mais abstracto, a região não consiste na relação de uma coisa no espaço com uma outra - o que corresponde, mais propriamente, ao conceito de situação -, mas na relação do sistema destas situações com o espaço absoluto do universo. Em tudo o que seja extenso, a situação das suas partes, umas em relação às outras pode ser suficientemente conhecida pela análise da própria coisa extensa; mas a região para a qual essa ordenação das partes está orientada refere-se ao espaço fora dela e, na verdade[378], não aos seus lugares, pois isso não seria mais do que a situação das mesmas partes, encaradas numa relação exterior, mas remetendo-as a um espaço comum, enquanto unidade da qual essa extensão deve ser considerada como uma parte. Não seria estranho que o leitor achasse estes conceitos ainda demasiado incompreensíveis, os quais, desde logo, devem ser iluminados no que se segue, pelo que, nada mais acrescento, senão que o meu objectivo neste ensaio será o de investigar se nos juízos intuitivos da extensão, como os que contém a geometria, não se encontraria uma prova evidente de que o espaço absoluto, independentemente da existência de toda a matéria e inclusive como primeiro fundamento da possibilidade da sua composição, tenha uma realidade própria. É bem sabido como se revelaram em vão todos os esforços dos filósofos no sentido de colocar de vez este ponto à margem de qualquer disputa mediante os juízos mais abstractos da metafísica, e não conheço nenhuma tentativa de realizar isso como que a posteriori (a saber, através de outras proposições irrefutáveis, que na verdade se encontram elas mesmas fora do domínio da metafísica, mas podem fornecer in concreto uma prova para a sua correcção), com a excepção da dissertação do célebre Euler, o velho, na História da Academia Real de Ciências de Berlim, de 1748, que, contudo, não alcançou completamente o seu propósito, pois apenas mostra as dificuldades de se dar um significado determinado às leis mais gerais do movimento se não se aceita outro conceito de espaço a não ser aquele que procede da abstracção da relação entre coisas existentes, deixando, todavia, intocáveis dificuldades da mesma envergadura que resistem no que se atém à aplicação das leis em questão, se se quiser representá-las in concreto segundo o conceito de espaço absoluto. A prova que aqui procuro deve fornecer não aos mecânicos, como o senhor Euler pretendia, mas aos próprios geómetras uma razão convincente para que possam afirmar, com a evidência que lhes é habitual, a realidade do seu espaço absoluto. Para isso, apresento as hipóteses que se seguem.
 
   No espaço corporal, por causa das suas três dimensões, deixam-se pensar três planos, que se interseccionam todos em ângulos rectos. Uma vez que conhecemos, por via dos sentidos, tudo o que está fora de nós somente à medida que se encontra em relação connosco, não é de estranhar que para gerar o primeiro fundamento do conceito de regiões no espaço partamos da relação destes planos de intersecção com o nosso corpo.[379] O plano perpendicular ao comprimento do nosso corpo chama-se, em relação a nós, horizontal; e esse plano horizontal despoleta a diferença das regiões que designamos por acima e abaixo. Sobre esse plano podem estar dois outros, perpendiculares e cruzando-se igualmente em ângulos rectos, de maneira que o comprimento do corpo humano é pensado na linha de intersecção. Um desses planos verticais divide o corpo em duas metades exteriormente similares e dá o fundamento da diferença entre o lado direito e o esquerdo; o outro que lhe é perpendicular, faz com que possamos ter o conceito do lado da frente e de trás. Numa folha escrita, por exemplo, diferenciamos primeiramente a parte de cima e de baixo da escrita, notamos a diferença dos lados da frente e do verso, e, por fim, vemos a situação da letra da esquerda para a direita, ou vice-versa. Aqui, a situação das partes ordenadas reciprocamente sobre a superfície é sempre a mesma e constitui-se numa figura inteiramente idêntica, podendo virar-se a folha como se quiser; mas a diferença das regiões tem tanta importância nesta representação e está tão estreitamente ligada à impressão que o objecto visível produz, que a mesma escrita torna-se irreconhecível quando vista de modo em que seja volvida da direita para a esquerda tudo o que antes assumia a região oposta.
 
Mesmo os nossos juízos sobre as regiões do espaço estão subordinados ao conceito que temos das regiões em geral, enquanto estas são determinadas na sua relação com os lados do nosso corpo. O que conhecemos de outro modo, no céu como na terra, em matéria de relações, independentemente deste conceito fundamental, são unicamente as situações dos objectos, uns em relação aos outros. Por mais perfeito que seja o conhecimento que tenho da ordem das linhas do horizonte, não posso, nem por isso, determinar as regiões, a não ser que tenha consciência da mão, segundo a qual essa ordem se processa. Se, pondo de lado o caso da situação das estrelas umas em relação às outras, ou não determinasse a região pela situação do plano de um mapa em relação às minhas mãos, esse mapa do céu, por mais preciso que fosse, por mais exacto que se apresentasse ao meu espírito, não me poria em estado de saber, partindo de uma região conhecida - do norte, por exemplo - de que lado do horizonte eu teria que procurar o nascer do sol. O mesmo se passa com o conhecimento geográfico e ainda com o nosso conhecimento mais comum da situação dos lugares, que de nada nos serve, se não podermos colocar as coisas desse modo ordenadas e o todo sistemático das [380] situações recíprocas numa relação com os lados do nosso corpo de acordo com as regiões. Existe mesmo uma característica assinalável nos seres vivos, que, ocasionalmente, pode até motivar diferenciações de espécie, que consiste na região determinada para a qual a ordem das suas partes está voltada e pela qual podem diferenciar-se duas criaturas, ainda que coincidam inteiramente tanto no que respeita ao tamanho, quanto à proporção e até na situação recíproca das partes. Os cabelos no alto da cabeça de todos os homens são voltados da esquerda para a direita. Todo o lúpulo enrosca-se da esquerda para a direita no seu caule; já o feijão volta-se no sentido contrário. Com a excepção de umas três espécies, todos os caracóis têm uma torção da esquerda para a direita, quando se olha de cima, isto é, do cume até à foz. Essa qualidade determinada reside invariavelmente nessas mesmas espécies de criaturas, sem relação nenhuma com o hemisfério onde as mesmas se encontram, nem com a orientação da rotação diária do sol e da lua, que para nós vai da esquerda para a direita, mas para os nossos antípodas vai ao contrário, pois nas produções da Natureza mencionadas, a causa da circunvolução repousa na própria semente. Por outro lado, onde uma certa rotação pode ser atribuída ao curso desses corpos celestes, como a lei de Mariotte sustenta pela observação dos ventos que, da aurora ao meio-dia, da esquerda para a direita, percorreriam completamente a bússola, passando-se este movimento circular no sentido inverso quando no outro hemisfério, como também Don Ulloa pretende ter efectivamente confirmado pelas suas observações sobre os mares do sul.
 
Dado que o sentimento diverso dos lados direito e esquerdo é de tal maneira necessário para o juízo das regiões, a natureza conectou-o simultaneamente à coordenação mecânica do corpo humano, por via da qual um dos lados, a saber, o direito, tem uma vantagem indubitável em agilidade e talvez também em força sobre o esquerdo. Eis porque todos os povos da Terra são destros (não se considerando excepções isoladas, as quais, como o estrabismo, não revogam a universalidade da regra de acordo com a ordem natural). É mais fácil mover o corpo da direita para a esquerda do que o contrário quando se monta o cavalo ou se atravessa um fosso. Escreve-se por toda a parte com a mão direita, e com ela [381] se faz tudo aquilo que exige habilidade e força. Contudo, assim como o lado direito parece ter vantagem sobre o esquerdo no que diz respeito à mobilidade, o esquerdo tem-na sobre o direito no que respeita à sensibilidade, se nos dispusermos a acreditar nalguns naturalistas, como por exemplo Borelli e Bonnet, afirmando o primeiro dos quais sobre o olho esquerdo e o segundo no que respeita ao ouvido esquerdo, que nestes o sentido é mais forte do que nas estruturas análogas do lado direito. Assim sendo, os dois lados do corpo humano, apesar da sua grande similaridade exterior, são suficientemente diferenciados por uma clara sensação, mesmo que não se considere igualmente as posições diferentes das partes internas e a batida perceptível do coração, quando a cada contracção deste músculo bate do lado esquerdo do peito com a sua extremidade num movimento oblíquo.
 
Kant, I. “Von dem ersten Grunde des Unterschiedes der Gegenden im Raume” (1768), Ak. II, pp. 375-383.

 

escrito por José Carlos Cardoso às 22:48

16
Jun 09

 

Le concept d’aréalité est un des nerfs les plus vibrantes et anciens de la philosophie de Jean-Luc Nancy et, au même temps, d’une importance méconnue pour la compréhension globale de son horizon. C’est Nancy lui-même qui donne la piste qui oriente cette investigation, dans l’Ego Sum:
 
Ce qui survient au sujet, ce qui lui tombe dessus - au lieu de le soutenir d'une sub-stance, et même au lieu de le soutenir d'une parole - c'est finalement, comme on le verra, son aréalité, selon le concept qu'ailleurs nous avons commencé à proposer: son manque de réalité (qui ne fait pas absence, et qui empêche de se livrer à une égologie négative sur le mode de la théologie négative), et sa nature d'aire - area - d'espace ou d'étendue antérieurs à toute spatialité. L'aréalité n'est pas non plus la forme transcendantale de l'espace; antérieure au régime transcendantal (mais pensable seulement à partir de Kant), plus “primitive”, l'aréalité s'étend comme le lieu inassignable de l'expérience informe que fait le “sujet” de son “propre” chaos.
 
Ainsi, mon propos est à la fois modeste et ambitieux. S’il vise, d’une part, penser, “à partir de Kant”, pour une hypothétique archéologie du concept comme pour une indagation des hypothéses (im)pensées chez Kant lui-même, notamment dans les conceptions pre et post-critiques de l’espace, la primordialité de cette “expérience informe”, et, d’autre part, à partir du concept tracée par Nancy et envisagée ici comme operateur schématique, penser les lignes de fuite pour la problématique que Gérard Granel a esquisée, dans un texte très chér a Nancy, sous la formule de “kénôse ontologique de la pensée depuis Kant”, horizon théorique, d’ailleurs, qui resiste dans le sous-sol de la philosophie française contemporaine.

 

escrito por José Carlos Cardoso às 20:44

08
Jun 09

Por vezes encontramos primeiro a solução que o problema.

escrito por José Carlos Cardoso às 23:49

01
Jun 09

escrito por José Carlos Cardoso às 23:53

31
Mai 09

 Ou da imagem deleuziana da investigação filosófica como sendo qualquer coisa que está a meio caminho entre o romance policial e a ficção científica.

escrito por José Carlos Cardoso às 22:51

 Jean-Luc Nancy deixa uma pista na abertura (in fine) do seu Ego Sum de 1979. E as pistas são para seguir.

escrito por José Carlos Cardoso às 22:38

15
Abr 09

A intuição filosófica (na referência primordial a Bergson) é aproximada por Deleuze, em Qu'est-ce que la philosophie?, do traçar um plano de imanência.

escrito por José Carlos Cardoso às 23:49

11
Mar 09

 A ideia de uma proprioceptividade do Tempo corresponderia ao diagrama dos contágios actual/virtual? Como é que o esquematismo estético-ontológico, como operador, é capaz de agenciar isto mesmo?

escrito por José Carlos Cardoso às 23:15

10
Mar 09

 

Segunda Parte
 
Considerámos até agora o caso em que um actual se rodeia de outras virtualidades cada vez mais extensas, cada vez mais longínquas e diversas: uma partícula cria efémeros, uma percepção evoca recordações. Mas o movimento inverso também se impõe: quando os círculos se estreitam, e que o virtual se aproxima do actual para se distinguir dele cada vez menos. Atingimos um circuito interior que não reúne mais que o objecto actual e a sua imagem virtual: uma partícula actual tem o seu duplo virtual, que quase não se descola dela; a percepção actual tem a sua própria recordação como uma espécie de duplo imediato, consecutivo ou até simultâneo. Pois, como Bergson o mostrou, a recordação não é uma imagem actual que se formaria após o objecto percepcionado, mas a imagem virtual que coexiste com a percepção actual do objecto. A recordação é a imagem virtual contemporânea do objecto actual, o seu duplo, a sua “imagem em espelho”[4]. Assim, existe coalescência e cisão, ou, melhor, oscilação, perpétuo contágio entre o objecto actual e a sua imagem virtual: a imagem virtual não pára de devir actual, como num espelho que se apodera da personagem, a engole, e que, por sua vez, não lhe deixa mais que uma virtualidade, ao estilo d'A Dama de Xangai. A imagem virtual absorve toda a actualidade da personagem, ao mesmo tempo que a personagem actual não passa de uma virtualidade. Este contágio perpétuo do virtual e do actual define um cristal. É no plano de imanência que surgem os cristais. O actual e o virtual coexistem, e entram num estreito circuito que nos reenvia constantemente de um para o outro. Já não é uma singularização, mas uma individuação como processo, o actual e o seu virtual. Já não é uma actualização mas uma cristalização. A pura virtualidade não tem já de se actualizar dado que é estritamente correlativa do actual com o qual forma o mais pequeno circuito. Já não há mais distincionabilidade do actual e do virtual, mas indiscernabilidade entre os dois termos que se contagiam. 
 
Objecto actual e imagem virtual, objecto que deveio virtual e imagem que deveio actual, estas são as figuras que aparecem já na óptica elementar[5]. Mas, em todos os casos, a distinção do virtual e do actual corresponde à mais fundamental cisão do Tempo, quando este avança diferenciando-se, seguindo duas grandes vias: fazer passar o presente e conservar o passado. O presente é um dado variável medido por um tempo contínuo, isto é, por um movimento suposto numa única direcção: o presente passa na medida em que esse tempo se esgota. É o presente que passa que define o actual. Mas o virtual aparece, por sua vez, num tempo mais pequeno que aquele que mede o mínimo de movimento numa única direcção. É por isso que o virtual é “efémero”. Mas é também no virtual que o passado se conserva, porque este efémero não deixa de lá estar no “mais pequeno” seguinte, que reenvia a uma mudança de direcção. O tempo mais pequeno que o mínimo de tempo contínuo pensável numa direcção é também o tempo mais longo, mais longo que o máximo de tempo contínuo pensável em todas as direcções. O presente passa (à sua escala), assim como o efémero conserva e conserva-se (à escala deste). Os virtuais comunicam imediatamente por cima do actual que os separa. Os dois aspectos do tempo, a imagem actual do presente que passa e a imagem virtual do passado que se conserva, distinguem-se na actualização, tendo um limite indeterminável, mas contagiam-se na cristalização, até devirem indiscerníveis, cada um ocupando o papel do outro.
 
A relação do actual e do virtual constitui sempre um circuito, mas de duas maneiras: tanto o actual reenvia para virtuais como para outras coisas em vastos circuitos, onde o virtual se actualiza, como o actual reenvia ao virtual como seu próprio virtual, nos mais pequenos circuitos onde o virtual cristaliza com o actual. O plano de imanência contêm simultaneamente a actualização como relação do virtual com outros termos, e até o actual como termo com o qual o virtual se contagia. Em todos os casos, a relação do actual e do virtual não é aquela que se estabelece entre dois actuais. Os actuais implicam indivíduos já constituídos, e determinações através de pontos vulgares; enquanto a relação do actual e do virtual forma uma individuação em acto ou uma singularização através de pontos marcantes a determinar em cada caso.
 
 
[4] Bergson, L'Énergie spirituelle, “le souvenir du présent...”, pp. 917-920. Bergson insiste nos dois movimentos, em direcção a círculos cada vez mais vastos, em direcção a um círculo cada vez mais estreito.
 
[5] A partir do objecto actual e da imagem virtual, a óptica elementar mostra em que caso o objecto devém virtual e a imagem actual, e depois, como o objecto e a imagem devêm ambos actuais ou ambos virtuais.

 

escrito por José Carlos Cardoso às 22:05

09
Mar 09
Primeira Parte
 
A filosofia é a teoria das multiplicidades. Toda a multiplicidade implica elementos actuais e elementos virtuais. Não existe objecto puramente actual. Todo o actual se rodeia de um nevoeiro de imagens virtuais. Este nevoeiro investe circuitos coexistentes mais ou menos extensos, sobre os quais as imagens virtuais se distribuem e planam. É assim que uma partícula actual emite e absorve virtuais mais ou menos próximos, de diferentes ordens. Eles são chamados virtuais porquanto a sua emissão e absorção, a sua criação e destruição se fazem num tempo mais pequeno que o mínimo de tempo contínuo pensável, e que esta brevidade os mantém desde logo sob um princípio de incerteza ou de indeterminação. Todo o actual se rodeia de círculos de virtualidade sempre renovados, em que cada um emite um outro, e todos rodeiam e reagem sobre o actual (“ao centro da bruma do virtual está ainda um virtual de ordem mais elevada... cada partícula virtual rodeia-se do seu cosmos virtual e cada uma, por sua vez, faz o mesmo, indefinidamente...[1]”). Em virtude da identidade dramática dos dinamismos, uma percepção é como uma partícula: uma percepção actual rodeia-se de uma nebulosidade de imagens virtuais que se distribuem por circuitos móveis, cada vez mais afastados, cada vez mais amplos, que se fazem e se desfazem. São recordações de diferentes ordens: são chamadas imagens virtuais na medida em que a sua velocidade ou a sua brevidade as mantém aqui sob um princípio de inconsciência. 
 
As imagens virtuais são tão pouco separáveis do objecto actual como este daquelas. As imagens virtuais reagem assim sobre o actual. Deste ponto de vista elas medem, no conjunto dos círculos ou em cada círculo, um continuum, um spatium determinado em cada caso por um máximo de tempo pensável. A estes círculos mais ou menos extensos de imagens virtuais, correspondem camadas mais ou menos profundas do objecto actual. Estas formam a impulsão total do objecto: elas mesmas camadas virtuais, e nas quais o objecto actual devém, por sua vez, virtual[2]. Objecto e imagem são aqui ambos virtuais, e constituem o plano de imanência onde se dissolve o objecto actual. Mas o actual passou então por um processo de actualização que afecta a imagem assim como o objecto. O continuum de imagens virtuais é fragmentado, o spatium é segmentado segundo decomposições regulares ou irregulares do tempo. E a impulsão total do objecto virtual estilhaça-se em forças correspondendo ao continuum parcial, em velocidades que percorrem o spatium segmentado[3]. O virtual nunca é independente das singularidades que o segmentam e dividem no plano de imanência. Como o mostrou Leibniz, a força é um virtual em curso de actualização, assim como o espaço no qual ela se desloca. O plano divide-se, portanto, numa multiplicidade de planos, seguindo os cortes do continuum e as divisões da impulsão que marcam uma actualização de virtuais. Mas todos os planos não fazem senão um, seguindo a via que conduz ao virtual. O plano de imanência compreende simultaneamente o virtual e a sua actualização, sem que possa haver um limite determinado entre os dois. O actual é o complemento ou o produto, o objecto da actualização, sendo que esta tem por sujeito somente o virtual. A actualização pertence ao virtual. A actualização do virtual é a singularidade, enquanto que o próprio actual é a individualidade constituída. O actual cai fora do plano como um fruto, enquanto que a actualização o reporta ao plano como àquilo que reconverte o objecto em sujeito.
 

 [1] Michel Cassé, Du vide et de la création, Odile Jacob, pp. 72-73. E o estudo de Pierre Lévy, Qu'est-ce que le virtuel?, Éditions de la Découverte.

 [2] Bergson, Matière et mémoire, Édition du Centenaire/PUF, p. 250 (os capítulos II e III analisam a virtualidade da recordação e a sua actualização).

 [3] Gilles Châtelet, Les Enjeux du mobile, Éditions du Seuil, pp. 54-68 (das “velocidades virtuais” aos “cortes virtuais”).

escrito por José Carlos Cardoso às 19:31

07
Mar 09

escrito por José Carlos Cardoso às 23:19

19
Fev 09

 Questões de esquematismo: comparar o conceito de arealidade de Jean-Luc Nancy com o conceito de espaço paradoxal de José Gil.

escrito por José Carlos Cardoso às 23:35

10
Fev 09

 Nem de propósito, e isto dá bem conta de uma espécie de preocupação comum que parece estar no ar do tempo, Jean-Clet Martin publica hoje um texto rico em indícios em que esmiuça possíveis linhas de divisão entre Deleuze e Badiou, na já famosa querela do conceito de multiplicidade e da teoria matemática dos conjuntos, a partir de Descartes (hélas!) e Leibniz. Tendo em conta que se trata, justamente, de tentar dar inteligibilidade ao que seria um espaço não-métrico, não-mensurável, portanto da ordem do intensivo e já não da extensão geométrica (a profundidade do spatium em Deleuze), e elevá-lo a conceito, bastava para revelar uma comunidade de pensamento. Se isso não bastasse, revelar ainda que o que fez com Aristóteles e Van Gogh serve de modelo para o que tento, neste momento, com a ambiguidade das concepções do espaço em Kant e a pintura de João Queiroz, em dois ensaios a sair ainda este ano.

escrito por José Carlos Cardoso às 22:50

09
Fev 09

 Para já, voltar atrás e reler. E ainda mais atrás, a ideia está já nas primeiras publicações de Jean-Luc Nancy (num texto de 1977 e depois retomada na abertura de Ego Sum de 1979):

Ce qui survient au sujet, ce qui lui tombe dessus - au lieu de le soutenir d'une sub-stance, et même au lieu de le soutenir d'une parole - c'est finalement, comme on le verra, son aréalité, selon le concept qu'ailleurs nous avons commencé à proposer: son manque de réalité (qui ne fait pas absence, et qui empêche de se livrer à une égologie négative sur le mode de la théologie négative), et sa nature d'aire - area - d'espace ou d'étendue antérieurs à toute spatialité. L'aréalité n'est pas non plus la forme transcendantale de l'espace; antérieure au régime transcendantal (mais pensable seulement à partir de Kant), plus "primitive", l'aréalité s'étend comme le lieu inassignable de l'expérience informe que fait le "sujet" de son "propre" chaos.

escrito por José Carlos Cardoso às 23:46

08
Fev 09

 Psyche ist ausgedehnt: weiss nichts davon.

 

Sigmund Freud, nota póstuma

escrito por José Carlos Cardoso às 23:38

06
Fev 09

Passar o jantar a debater políticas de tradução e chegar a casa e traduzir, de raiva, L'actuel et le virtuel, seminal texto póstumo de Gilles Deleuze, contra a aberração que é a sua edição em português ("Anexo: Capítulo V" in Diálogos, Relógio d'Água, Lisboa, 2004), não se pode considerar método de trabalho, pois não?

escrito por José Carlos Cardoso às 23:28

27
Nov 08

Um espaço como o espaço do corpo, onde o interior e o exterior são um só. […]

A dimensão da profundidade distingue radicalmente o espaço do corpo do espaço objectivo. […] O que é próprio desta profundidade é ligar-se ao lugar, dizendo-se então topológica: é uma certa ligação do corpo com o lugar que escava nele a sua profundidade. O espaço do corpo é esse meio espacial que cria a profundidade dos lugares. […]

Este corpo compõe-se de uma matéria especial que tem a propriedade de ser no espaço e de devir espaço, quer dizer de se combinar tão estreitamente com o espaço exterior que daí lhe advêm texturas variadas: o corpo pode tornar-se um espaço interior-exterior produzindo então múltiplas formas de espaço, espaços porosos, esponjosos, lisos, estriados, espaços paradoxais de Escher ou de Penrose, ou muito simplesmente de simetria assimétrica, como a esquerda e a direita (num mesmo corpo-espaço, portanto). […]

A "abertura" do corpo não é nem uma metonímia nem uma metáfora. Trata-se realmente do espaço interior que se revela ao reverter-se para o exterior, transformando este último em espaço do corpo. […]

Duas condições são necessárias para que o corpo onde fluem intensidades se forme: a) que o espaço interior, esvaziado, se reverta sobre a pele, constituindo então a matéria do CsO; b) que a pele, impregnada do espaço interior, se torne matéria-corpo do corpo pleno (espaço do corpo incluído).

Notemos que estas duas condições implicam a imanência. Já não há separação corpo/espírito ou espírito/matéria, já nenhuma transcendência vem perturbar os movimentos das intensidades. 

 

Gil, José. Movimento Total. O corpo e a dança, Relógio d'Água, 2002, pp. 60; 65; 69; 77.

 

escrito por José Carlos Cardoso às 21:07

26
Nov 08

Aréalité est un mot vieilli, qui signifie la propriété d'aire (area). Par accident, le mot se prête aussi à suggérer un manque de réalité, ou bien une réalité ténue, légère, suspendue: celle de l'écart qui localise un corps , ou dans un corps. Peu de réalité du fond, en effect, de la substance, de la matière ou du sujet. Mais ce peu de réalité fait tout le réel aréal où s'articule et se joue ce qui a été nommé l'archi-tectonique des corps. En ce sens, l'aréalité est l'ens realissimum, la puissance maximale de l'exister, dans l'extension totale de son horizon. Simplement, le réel en tant qu'aréal réunit l'infini du maximum d'existence […] à l'absolu fini de l'horizon aréal.

Nancy, Jean-Luc. Corpus, Anne-Marie Métailié, 1992, p.39

 

escrito por José Carlos Cardoso às 23:11

25
Nov 08

 E por causa da impossibilidade de ouvir uma das vozes mais singulares da filosofia contemporânea, esta quinta-feira em Serralves, uma pequena selecção bibliográfica a respeito:

 

La communauté désoeuvrée, Christian Bourgois, 1986

Corpus, Anne-Marie Métailié, 1992

Le sens du monde, Galilée, 1993

Être singulier pluriel, Galilée, 1996

La communauté affrontée, Galilée, 2001

La création du monde - ou la mondialisation, Galilée, 2002

Noli me tangere, Bayard, 2003

Vérité de la démocratie, Galilée, 2008

escrito por José Carlos Cardoso às 01:53

12
Nov 08

 

escrito por José Carlos Cardoso às 23:48

10
Nov 08

De resto, toda a investigação em ciências humanas – e portanto também a presente reflexão sobre o método – deveria implicar uma cautela arqueológica, ou seja, regredir no próprio percurso até ao ponto em que algo permaneceu obscuro e não tematizado. Só um pensamento que não esconde o próprio não-dito, mas incessantemente o retoma e o desdobra pode, eventualmente, ter pretensão à originalidade.

 

Agamben, Giorgio. «Avvertenza», Signatura rerum. Sul metodo, Bollati Boringhieri, Torino, 2008, pp. 7-8. Retirado e (imagino) traduzido (d)aqui, porque o meu ainda não chegou.

 

 

escrito por José Carlos Cardoso às 23:17

12
Set 08

 

Pergunta Novalis: "para onde se dirige a alma de noite?" 
Responde Maria Filomena Molder: "a alma de noite dirige-se para o seu sonho e toma a sua escada, o corpo."

 

Na imagem, "Ne Dors Pas" de Rui Chafes, 1999. Ferro, 380 x 260 x 180 cm

escrito por José Carlos Cardoso às 18:32

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