O que eu gostava mesmo de ler do Žižek era como, muito ao seu gosto, dialecticamente, se passa desta posição para esta (pré-eleição e pós-eleição).
O que eu gostava mesmo de ler do Žižek era como, muito ao seu gosto, dialecticamente, se passa desta posição para esta (pré-eleição e pós-eleição).
Um óptimo exemplo do perigo que mencionei ontem (in fine) no que toca à confusão de planos na produção de inteligibilidade sobre os acontecimentos (ou sobre perspectivas em relação a estes, como é o caso).
Esta eleição marca o momento em que o eleitorado americano basculou. Os republicanos têm uma base homogénea, que se tornou minoritária, e vão passar por uma enorme travessia no deserto para arranjar maneira de crescer a partir daí, uma vez que alienaram tudo o que tinham à volta da sua própria bolha branca e conservadora. A coligação de minorias dos democratas (minorias étnicas e raciais, pobres e universitários, gays e operários, gente sem seguro de saúde e empresários de Sillicon Valley) tornou-se uma maioria.
Rui Tavares foca, neste excerto sobre as minorias de Obama, um aspecto que me parece essencial no sentido em que aponta, explicitamente, as bases de ruptura desta vitória - a conjunção disjuntiva de minorias que perfazem uma maioria (numérica) não abrindo mão das suas singularidades constitutivas. Também aqui abre um caminho e, por isso, possa ser tomada como a primeira vitória eleitoral do séc. XXI.
Não sabemos ainda em propriedade o que é a contemporaneidade. Sabemos que não é, simplesmente, o actual-presente, em confronto com o qual Benjamim criou o conceito de Jetztzeit a partir do Angelus novus de Klee, e que implicava uma inflexão política e epistemológica do historicismo dominante. Poucos anos antes Heidegger batia-se contra aquilo que qualificou como o "conceito vulgar de tempo". Interessa, pois, nestes momentos históricos em que se vislumbra o novo no horizonte - se realidade ou ilusão, é uma questão infértil com categorias obsoletas, atente-se aqui a uma imagem específica produzida pelo seu tempo, e à pre-disposição dos corpos contemporâneos a esta (no sentido em que são, simultaneamente, causa e efeito) para a encarnar - compreender as duas faces do tempo desse surgimento, os dois tipos de movimento. Se, por um lado, temos essa faceta mitológica do presente devorador, aterrador, negativo (em sentido ontológico), que análises avisadas como a de Sloterdijk tomam como único e infinito (querendo ultrapassar o "total" de Jünger), temos também toda uma outra gama de linhas desse movimento que descolam do empírico negativado e que constituem a possibilidade mesma de surgimento do novo. Assim sendo, o contemporâneo adquire uma dimensão própria que ambiciona ao plano transcendental, um tempo já não de facto, mas de juris, que traz o novo ao/do presente. Aquilo que está virtualmente em mudança só pode, pois, ser pensável neste plano, sendo que qualquer passo em falso no sentido de uma "confusão" deste em relação ao actual-presente pode conduzir a "cegueiras" do género das que padeceram o próprio Heidegger (em relação ao nazismo) e Sartre (com o estalinismo), para dar só dois exemplos.
A imagem acima é da capa do The Economist.
Normally when you see a black man or a woman president, an asteroid is about to hit the Statue of Liberty.
Jon Stewart, Óscares'08.
Não sei se a clique local anti-Obama tenta proteger a esquerda das suas ilusões ou se, por outro lado, tenta salvar o mundo das convicções alimentadas pela ilusão. No primeiro caso, mais comum, temos um comovente paternalismo. No segundo, o medo de que a ilusão intervenha na realidade antes que ela tenha tempo de devolver a conta da fantasia. Esse medo seria razoável enquanto clássico receio da megalomania revolucionária, mas, como amavelmente nos avisam, esse perigo não existe (já o sabemos, Obama está longe de ser de esquerda, será um realista, nacionalista, pró-Israel, defensor do Império). Na verdade, é o mero valor político da esperança que os repugna -- a que se junta alguma clubite (não confessa) na véspera de uma possível derrota.
Obama e a direita europeia, por Bruno Sena Martins. Quanto à esquerda europeia (que não tem que ver com nada do que existe no sistema partidário americano hoje), com a dose utópica que lhe é constitutiva, só quer um interlocutor que, não se restringindo ao inglês standartizado da macroeconomia e dos foreign affairs, e mesmo não precisando de citar Shakespeare, possa ecoar Walt Whitman. Talvez a Europa se recorde, se Obama se tornar nesse interlocutor, de Kant, Goethe, Baudelaire, Pessoa e Mandelstam.