"[...]mas faz-nos esboçar uma realidade supra-sensível compatível com o uso experimental da nossa razão. Sem uma tal precaução, não saberíamos fazer o mínimo uso de semelhante conceito e deliraríamos ao invés de pensarmos.[...]"

13
Jul 09

Imagino deste modo, num futuro provável ou improvável, milhares, milhões de neurónios assim redistribuídos numa gigantesca partição matemático-musical.

 

Raymond Bellour, trad. André Dias

escrito por José Carlos Cardoso às 23:54

15
Mar 09

O automóvel e o cinema têm mais ou menos a mesma idade. 

Luís Miguel Oliveira sobre Grand Torino.

escrito por José Carlos Cardoso às 23:16

03
Mar 09

 Como o mostrou Leibniz, a força é um virtual em curso de actualização, assim como o espaço no qual ela se desloca.

Deleuze, G. “L'actuel el le virtuel” (1995) in Dialogues, Flammarion, Paris, 1996. Tradução e sublinhados meus.


 

escrito por José Carlos Cardoso às 23:44

19
Jan 09

La modernité consiste aujourd'hui à être extraordinarement méfiant avec ce qui se déclare abusivement contemporain [...].

Philippe Sollers em entrevista a Aliocha W. Lasowski, Le Magazine Littéraire nº 482, Jan'09, p.82

escrito por José Carlos Cardoso às 23:17
sinais:

16
Dez 08

Ao pé desta capacidade de síntese, aquilo que chamo de pequenos textos (sobre grandes filmes) não apelará senão à sonolência.

escrito por José Carlos Cardoso às 23:35

14
Dez 08

 Um dos novos desportos para preencher o vazio da cabeça é o de vigiar os hábitos de Barack Obama, como o de fumar. Os parvinhos elegantes, de ideologia tetraplégica, e as tias do século passado ficaram embasbacados com a novidade – Obama fuma; como é que ele vai fazer na Casa Branca, onde não se pode fumar? Naturalmente, vem até à porta das traseiras onde escapará dos moralistas. Interrogado pela imprensa, o presidente americano lá se justificou: “Mas olhem que tento ter uma vida mais saudável...”  Para começar, estar no poder não é nada saudável. Depois, desde que inventaram os políticos com “uma vida saudável” que deixámos de ter bons políticos. Um bom político precisa de um certo suplemento de vício. Olhem para a União Europeia e confirmem: saudáveis, sim, mas uma merda.

 

Smoking again, por Francisco José Viegas, "sem espinhas".

escrito por José Carlos Cardoso às 23:41

23
Out 08

1) Qual é, em seu entender, o melhor livro de ficção (romance, novela ou conto) portuguesa do século XX? Porquê?
 
Os Passos em Volta de Herberto Helder, na colecção Novos Contistas da Portugália Editora, edição de 1963, com a capa de João da Câmara Leme e uma dedicatória que o Rui Diniz me fez: «De uma época de PASMO tecem-se as RENDAS DELIRANTES». Nestes contos está tudo, mesmo aquilo que na época não se podia dizer – o comunismo, a prostituição, a dor, uma angústia solitária, o exílio, e um tempo em que pouco mais havia a fazer do que ficar «a tremer e soluçar, debaixo da esplêndida luz do mês de novembro». Aprendi muito da minha escrita ao lê-lo; e tenho dentro dele uma folha de árvore seca com muitas décadas, apanhada talvez no jardim do Campo Grande por onde passava a caminho da Cidade Universitária levando-o comigo, uma folha de papel pautado com um endereço lisboeta manuscrito pelo Herberto Helder que ele me terá dado por qualquer razão, e um título inventado durante alguma aula mais aborrecida: «Como eu fugi da Sibéria (L’OEIL DE LA MOSCOWIE) narrativa verídica dos horrores por que um sacerdote austro-búlgaro passou, antes de ser capturado e barbaramente agredido».

 

 

Resposta de Nuno Júdice, à primeira pergunta do inquérito d'Os Livros Ardem Mal. Num dia em que comecei por ler estas declarações, ajudou-me consideravelmente. Animicamente falando. 

 

escrito por José Carlos Cardoso às 20:49

14
Out 08

 a vida inteira para fundar um poema,

a pulso,
um só, arterial, com abrasadura,
que ao dizê-lo os dentes firam a língua,
que o idioma se fira na boca inábil que o diga,
só quase pressentimento fonético,
filológico,
mas que atenção, paixão, alumiação
¿e se me tocam na boca?
de noite, a mexer na seda para, desdobrando-se,
a noite extraterrestre bruxulear um pouco,
o último,
assim como que húmido, animal, intuitivo, de origem,
papel de seda que a rútila força lírica rompa,
um arrepio dentro dele,
batido, pode ser, no sombrio, como se a vara enflorasse com as faúlhas,
e assim a mão escrita se depura,
e se movem, estria atrás de estria, pontos voltaicos,
manchas ultravioletas a arder através do filme,
leve poema técnico e trémulo,
linhas e linhas,
línguas,
obra-prima do êxtase das línguas,
tudo movido virgem,
e eu que tenho a meu cargo delicadeza e inebriamento
¿tenho acaso no nome o inominável?
mão batida, curta, sem estudo, maravilhada apenas,
nada a ver com luminotecnia prática ou teórica,
mas com grandes mãos, e eu brilhei,
o meu nome brilhou entrando na frase inconsútil,
e depois o ar, e os objectos que ocorrem: onde?
fora? dentro?
no aparte,
no mais vidrado,
no avêsso,
no sistema demoroso do bicho interrompido na seda,
fibra lavrada sangrando,
uma qualquer arte intrépida por uma espécie de pilha eléctrica
como alma: plenitude,
através de um truque:
os dedos com uma, suponhamos, estrela que se entorna sobre a mesa,
poema trabalhado a energia alternativa,
a fervor e ofício,
enquanto a morte come onde me pode a vida toda

 

Herberto Helder, A Faca não Corta o Fogo, Assírio&Alvim, Lisboa, 2008

escrito por José Carlos Cardoso às 23:48

12
Out 08

 Volto ao meu ponto. Se não falamos da academia (essa Arcádia desligada da cidade e a que se acolhem muitos dos grandes nomes da literatura americana) mas do mercado e do «leitor comum», então o secretário da academia sueca, ressalvando aquelas questões que referi ao início, está inteiramente certo na sua denúncia da escandalosa situação da tradução de obras literárias nos EUA e do isolacionismo da sua literatura. O resto, lamento dizê-lo, é apenas mais uma ocorrência de americanismo acéfalo. Ou seja: uma conversa da treta.


P.S. Como se pode ler por exemplo aqui, a reacção dominante nos EUA à atribuição do Nobel a Le Clézio - «Clezi-who?» -, só evidencia, e cito, que «the American literary scene is almost entirely inward looking».
 
 
Osvaldo Manuel Silvestre sobre as declarações do secretário da Academia sueca e o imperialismo na Literatura. Subscrevo por inteiro.
escrito por José Carlos Cardoso às 23:42

28
Ago 08

 Todo o plano é para o rosto dela - mas ela nunca olha para a câmara, antes para um ponto qualquer no fora de campo, num ligeiro viés. Em vez de acusar a sua presença, forçando a rapariga à extraordinária violência de a fitar directamente, a câmara evita intrometer-se na linha do seu olhar, faz o que pode para a deixar sozinha. E, com a mesma comoção e o mesmo orgulho, fica a observar uma miuda beirã a aproveitar o momento em que lhe ofereceram a possibilidade de ser uma Harriet Andersson ou uma Jean Seberg.

 

"Obliquamente", por Luís Miguel Oliveira

 

 

Aquele Querido Mês de Agosto é um dos grandes filmes portugueses dos últimos anos.|...| Gomes capta sempre a materialidade manipulada de que se faz o cinema, e que desemboca no gag final sobre os sons que se ouvem no filme mas que não existem «na natureza». Em Aquele Querido Mês de Agosto, a «ficção» (quase uma réstia) não é verdadeiramente uma ficção, é um simples melodrama juvenil, muito eficaz precisamente porque muito «verdadeiro». Tão verdadeiro e acima do bem e do mal como a própria música pimba que Gomes escolheu. Uma música que enquadra sem ironias aquelas emoções cruas e «pouco sofisticadas». Que são afinal iguaizinhas às nossas.

 

Se isto não é o povo, onde é que está o povo?, por Pedro Mexia

 

 

 Em geral, e por grosso, Miguel Gomes dá-nos a ler versos. Seria um longo debate saber se nos dá a ler poemas, pelo que me fico pela versão empírica ou, se se preferir, de mercearia: versos. Versos de canções pimba, esclareça-se. Porque o génio de MG não está apenas na utilização da música pimba como banda sonora do filme, e aliás muito para lá disso. Está sim na estranha operação, semiótica e estética, que consiste em inscrever nas imagens sempre tão justas do seu filme a letra das canções que o percorrem, ilustram e, ainda, o narram, suturam e dão a ver.

 

O balão jubiloso de Tânia faz-nos, mais uma vez, acreditar na possibilidade e potência do amor, e momentaneamente (pelo tempo justamente necessário) esquecer como tudo isto é produto de uma canção que nos pede aquilo que, desde que crescemos, sabemos ser pouco possível: que abracemos o mundo. Desde a esfusiante sequência de Nanni Moretti em Querido Diário, bailando, na sua vespa, ao som de canções, pelas ruas de Roma, que o cinema não era esta coisa elementar e mozartiana, tão intensamente e melancolicamente feliz.

 

Quem parasita quem em Aquele querido mês de Agosto? A «parte ficcional» parasita a «documental», como pretende a maioria da crítica? A produção, e o realizador em particular, parasita as pessoas da zona que convoca, usa (e abusa?) para a representação? O cowboy, e o beat, parasitam Moleiro? Miguel Gomes parasita Rossellini? A cidade, de onde vem e onde se «faz» institucionalmente o cinema, parasita o campo? As canções parasitam a pureza da captação do som do vento, dos regatos e dos trinados das aves nas serranias? Perguntas ociosas que de súbito se tornam fundamentais, ou perguntas fundamentais, sem as quais não há cinema (ou arte), que o filme torna ociosas, dando a ver a sua banalidade de base? Ou antes, e se calhar, perguntas morais, às quais só podemos responder, como sempre em arte, de forma extra-moral. Porque, como é evidente, o grande paradigma do parasita ou do bobo da corte é, muito simplesmente, o artista.

 

Aquele querido mês de Agosto, I, II, III, IV, por Osvaldo Manuel Silvestre

escrito por José Carlos Cardoso às 05:24

 O faulkneriano 'Auto dos Danados' do Lobo Antunes está para o contexto latifundiário e burguês como o 'Brutti, Sporchi e Cattivi' do Ettore Scolla está para o proletário e suburbano. A tendência para o grotesco, e já o mostrava o Marquês de Sade no século XVIII, não olha a berço, classe social ou faixa económica nem se apanha como uma gripe ou peste bubónica. Vem à nascença nos genes, como a cor da pele ou o tamanho do nariz.

 

"Do grotesco" in Vontade Indómita

escrito por José Carlos Cardoso às 05:20

16
Jul 08

 

So in idle moments, I dream of an ideal new sort of institution which could welcome Montaigne, or indeed Nietzsche, Goethe or Kierkegaard – a University of Life that would give students the tools to master their lives through the study of culture rather than using culture just for the sake of passing an exam.

This ideal University of Life (which would be equipped with an elegant logo, cafeteria and headquarters) would draw on traditional areas of knowledge (history, art, literature) but would angle its material towards active concerns (how to choose a career, conduct a relationship, sack someone and get ready to die).
 
Alain de Botton, "Reclaiming the Intellectual Life of Posterity", Standpoint, Julho, 2008
 
P.S. Não sei se Alain de Botton conhece o projecto universitário do filósofo francês Michel Onfray, mas há alguns indícios de possível convergência. Ainda assim, este artigo recordou-me uma conversa num jantar em Lisboa com uma eminente filósofa francesa (que tinha acabado de se jubilar e vindo dar um seminário na Faculdade de Letras para uns happy few), no qual ela afirmava convicta o fim a prazo de cursos clássicos (Filosofia, nomeadamente) e estruturantes da própria ideia de Universidade europeia (alguém se lembra?) e o retorno, como única sobrevivência possível, a escolas privadas de excelência, alheadas das necessidades do mercado, relativamente ao qual são contra-producentes. Fica a nota, para a possibilidade de um debate que urge fazer.

 

escrito por José Carlos Cardoso às 23:47

02
Jul 08

 E qual é a explicação para esses insucessos?

Há circunstâncias várias. Você imagina que é uma questão que não pode ser respondida com meia dúzia de tretas. Como é que hei-de pôr o problema? Espinosa, designadamente na leitura que Deleuze faz dele, põe-se a questão de saber como é possível transformar um colectivo de humanos não num conjunto de escravos, mas numa assembleia de homens livres. Esse é o verdadeiro problema, que está inscrito na história humana e ao qual o marxismo procura decisivamente responder e tornar mesmo na teoria uma questão prática.

 

Manuel Gusmão em entrevista a Luís Miguel Queirós (Público, 27 de Junho de 2008). Escolhi o excerto acima pelos poucos dias que o separam do que escrevi aqui, mas recomenda-se a leitura integral.

escrito por José Carlos Cardoso às 05:02
sinais:

22
Jun 08

 Entre ou au delà des deux pôles de l’ontologique et du transcendantal où le questionnement politique cherche à s’articuler, il me semble qu’on peut distinguer une perspective différente, qui est précisément celle dans laquelle se situe mon travail. Le déséquilibre dans lequel le discours politique est constamment pris entre d’une part une revendication d’autonomie, d’irréductibilité, et d’autre part l’impossibilité de ne pas s’étayer sur un discours spéculatif déterminé, me semble, non pas se résorber, mais du moins devenir plus intelligible lorsqu’on s’interroge sur l’articulation de la politique et de l’anthropologie. C’est par un retour sur certains points aveugles de notre interprétation du marxisme, et, au fond, sur une dénégation qui se trouvait bien chez Marx, que j’ai été conduit à envisager la nécessité d’une reformulation et d’une relance du problème anthropologique.

 

Étienne Balibar, Une philosophie politique de la différence anthropologique - Entretien avec Bruno Karsenti

escrito por José Carlos Cardoso às 19:42

03
Jun 08

 O seu único romance, já tardio, uma vasta suma intitulada Só e mal acompanhado, foi amplamente premiado mas debatido com rara virulência: houve quem referisse Blanchot e Beckett, houve quem dissesse ser o mesmo de sempre, numa espécie de vasto blogue feito de pequenos e grandes nadas.

 

A não perder o delicioso exercício de futurologia de Osvaldo Manuel Silvestre Obituário de Pedro Mexia em 2048.

escrito por José Carlos Cardoso às 19:08
sinais: ,

02
Jun 08

Ainsi passe-t-on du corps intérieur et des écrans de sa vision à la figuration vibrante de masses animées, au gré de rythmes innervés par une tension sans cesse variable, visible et objective autant que discrètement insaisissable, entre le continu et le discontinu de traits-tâches-figures plus ou moins saturant la surface blanche. Le miracle, dès lors, tient à la variété (c'est aussi le mot de Deleuze et Guattari, dans "Qu'est-ce que la philosophie?" où Michaux occupe une position si forte, pour qualifier les sensations d'art rapportées du chaos). Variétés des espacements, des poussées motrices (horizontales, verticales, tournoyantes, mélangées, contrariées). Variétés d'épaisseurs entre les micro-tâches et les traits. Nostalgies da la ligne, parfois, infusions fines de couleurs. Une fois, témoignant ici pour beaucoup d'autres, un large horizon de blanc subsiste pour recueillir des filages frémissants et furieux.

 

 

Raymond Bellour sobre as tintas da china de Henri Michaux no blog de Jean-Clet Martin.

escrito por José Carlos Cardoso às 06:29

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