Para Eduardo Chillida Quando pensamos muito por nós próprios, encontramos muita sabedoria inscrita na língua. É certamente pouco verosímil que lhe transportemos tudo nós mesmos; porque efectivamente muita sabedoria está lá – assim como nos provérbios. G. Chr. Lichtenberg Δοκει̃ δέ μὲγα τι εί̃ναι καὶ χαλεπὸν ληφθη̃ναι ο̉ τόπος (“Parece ser qualquer coisa de grande importância, e difícil a apreender, o topos – i.é. o espaço-lugar.”) Aristóteles, Física IV
Estas notas a propósito da arte, a propósito do espaço, a propósito do entrelaçamento do seu jogo recíproco, são e continuam a ser questões, mesmo se são enunciadas sob o modo afirmativo. Elas limitam-se às artes plásticas, e mais precisamente à escultura.
O que a escultura forma plasticamente são corpos. A sua massa, consistindo em diversos materiais, é formulada multiplamente. A formulação tem lugar numa delimitação, que é inclusão e exclusão em relação a um limite. Desta maneira, o espaço entra em jogo. Ele é ocupado pela forma plástica, recebe a sua marca como volume fechado, volume atravessado de aberturas e volume vazio. Estado de coisas bem conhecido, e contudo repleto de enigmas.
O corpo plástico incorpora qualquer coisa. Incorporará o espaço? A escultura é um manuseamento sobre o espaço, uma dominação deste? A escultura responde assim à conquista científico-técnica do espaço?
Certamente, como arte, a escultura está em debate <Auseinandersetzung> com o espaço da arte. A arte e a técnica científica consideram e adaptam o espaço a partir duma intenção diversa e de maneiras diferentes.
Mas e o espaço – continua o mesmo? Não é este espaço que recebeu a sua primeira determinação de Galileu e de Newton? O espaço – esta extensão uniforme, do qual nenhum sítio é privilegiado, equivalente em todas as direcções, mas não perceptível pelos seus sentidos?
O espaço – que provoca entretanto, e numa medida crescente, sempre mais obstinadamente o homem moderno à sua dominação última e absoluta?
As artes plásticas modernas não obedecem também a esta provocação, na justa medida em que se compreendem como debate com o espaço? Não se encontram assim confirmadas no seu carácter actual?
Portanto, será que o espaço do projecto físico-técnico, qualquer que seja a sua possível determinação, pode assumir-se como o único verdadeiro espaço? Comparados com ele, todos os outros espaços adjacentes – o espaço da arte, o espaço da vida corrente com as suas acções e deslocações – são somente formas primitivas e transformações subjectivamente condicionadas da objectividade de um único espaço cósmico?
Que seria se a objectividade desse espaço cósmico fosse irresistivelmente o correlato da subjectividade de uma consciência perfeitamente estrangeira aos séculos que precederam a Modernidade europeia?
Mesmo reconhecendo a diversidade da experiência espacial nos séculos passados, adquirimos dessa maneira um primeiro olhar sobre a propriedade do espaço? A questão do que é o espaço como espaço não foi, por isso mesmo, ainda esboçada – e ainda menos solucionada. Continua confuso de que maneira o espaço é, e mesmo se, absolutamente, um ser lhe pode ser atribuído.
O espaço – faz parte dos Urphänomenen <fenómenos Originários> no contacto dos quais, segundo uma expressão de Goethe, quando os homens chegam a compreendê-los, uma espécie de temor que pode ir até à angústia os submerge? Dado que por trás do espaço, ao que parece, nada mais há ao que este possa ser ligado. Face a ele não há esquiva possível que leve a outra coisa. Aquilo que é próprio do espaço, é necessário que se mostre a partir dele mesmo. Deixar-se-á isto dizer em propriedade?
Em face da necessidade de tal questionamento, teremos que confessar:
Enquanto não fizermos a experiência da propriedade do espaço, falar de um espaço da arte mantém-se obscuro. A maneira como o espaço comporta e atravessa a obra de arte fica, para começar, na ambiguidade.
O espaço, no interior do qual a construção plástica <plastiche Gebilde> pode ser encontrada como um objecto dado, o espaço que engloba os volumes da figura, o espaço que persiste entre os volumes – estes três espaços, na unidade do seu entrelaçamento recíproco, não são somente restos do único espaço físico-técnico, mesmo se cálculos aritméticos não intervenham no advir da obra de arte na figura?
Uma vez aceite que a obra de arte é um pôr-se em obra da verdade, e que verdade designa o não-velamento do ser, não resulta então que na obra das artes plásticas seja o espaço igualmente verdadeiro, aquele que se abre naquilo que tem de mais próprio, que vem dar a medida?
Contudo, como encontrar o próprio do espaço? Haverá um trilho, estreito e casual, com toda a certeza. Arrisquemos a escuta da língua.
De que fala ela na palavra espaço? Aí fala o espaçamento. Isto quer dizer: desbravar, abrir caminhos inóspitos <die Wildnis freimachen>. Espaçar comporta o livre, o aberto, para um estabelecer e um habitar do homem.
Espaçar é, literalmente, a libertação de lugares nos quais os destinos do homem que habita se cultivam, na ocasião de uma estadia, ou na infelicidade de um desterro, ou mesmo na indiferença a respeito dos dois.
Espaçar, é a libertação do lugar onde um deus aparece, lugar donde os deuses se retiraram, lugar onde a aparição do divino tarda longamente.
Espaçar, comporta assim a localidade <Ortschaft> que, a cada vez, prepara uma estadia. Os espaços profanos não serão mais que a privação de um longínquo pano de fundo de espaços consagrados.
Espaçamento é libertação de lugares.
No “espaçar” fala e protege-se, de uma só vez, um ter-lugar. Esta premissa própria ao espaçamento facilmente nos escapa. E se disto nos apercebemos, continua difícil de defini-lo, na medida em que o espaço físico-técnico passa pelo espaço ao qual toda a determinação do espacial, desde logo, se atém.
HEIDEGGER, Martin. Die Kunst und der Raum, Erker-Verlag, St. Gallen, 1969