Herberto Helder, no seu último livro:
Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
Os gregos, sempre os gregos, ou a arte de fazer as perguntas certas.
Herberto Helder, no seu último livro:
Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
Os gregos, sempre os gregos, ou a arte de fazer as perguntas certas.
Tout au contraire. Herberto Helder é o nosso mais extremo contemporâneo, contemporâneo de uma modernidade que trabalha ao limite.
a vida inteira para fundar um poema,
a pulso,
um só, arterial, com abrasadura,
que ao dizê-lo os dentes firam a língua,
que o idioma se fira na boca inábil que o diga,
só quase pressentimento fonético,
filológico,
mas que atenção, paixão, alumiação
¿e se me tocam na boca?
de noite, a mexer na seda para, desdobrando-se,
a noite extraterrestre bruxulear um pouco,
o último,
assim como que húmido, animal, intuitivo, de origem,
papel de seda que a rútila força lírica rompa,
um arrepio dentro dele,
batido, pode ser, no sombrio, como se a vara enflorasse com as faúlhas,
e assim a mão escrita se depura,
e se movem, estria atrás de estria, pontos voltaicos,
manchas ultravioletas a arder através do filme,
leve poema técnico e trémulo,
linhas e linhas,
línguas,
obra-prima do êxtase das línguas,
tudo movido virgem,
e eu que tenho a meu cargo delicadeza e inebriamento
¿tenho acaso no nome o inominável?
mão batida, curta, sem estudo, maravilhada apenas,
nada a ver com luminotecnia prática ou teórica,
mas com grandes mãos, e eu brilhei,
o meu nome brilhou entrando na frase inconsútil,
e depois o ar, e os objectos que ocorrem: onde?
fora? dentro?
no aparte,
no mais vidrado,
no avêsso,
no sistema demoroso do bicho interrompido na seda,
fibra lavrada sangrando,
uma qualquer arte intrépida por uma espécie de pilha eléctrica
como alma: plenitude,
através de um truque:
os dedos com uma, suponhamos, estrela que se entorna sobre a mesa,
poema trabalhado a energia alternativa,
a fervor e ofício,
enquanto a morte come onde me pode a vida toda
Herberto Helder, A Faca não Corta o Fogo, Assírio&Alvim, Lisboa, 2008
A Assírio & Alvim fez saber que em Setembro aparecerá, com material inédito e decantação poética, o novo volume do infinito poema herbertiano, intitulado A Faca não Corta o Fogo - súmula & inédita. Já sinto o cheiro da terra.