O motivo de tanto work in progress é este.
O primeiro fundamento da diferença das regiões no espaço seria, para avançar uma hipótese meramente funcional que pede, antes de mais, para ser explicitada, o spatium (espaço topológico) corporal, abertura e imagem.
Ou da imagem deleuziana da investigação filosófica como sendo qualquer coisa que está a meio caminho entre o romance policial e a ficção científica.
Jean-Luc Nancy deixa uma pista na abertura (in fine) do seu Ego Sum de 1979. E as pistas são para seguir.
A intuição filosófica (na referência primordial a Bergson) é aproximada por Deleuze, em Qu'est-ce que la philosophie?, do traçar um plano de imanência.
A ideia de uma proprioceptividade do Tempo corresponderia ao diagrama dos contágios actual/virtual? Como é que o esquematismo estético-ontológico, como operador, é capaz de agenciar isto mesmo?
[1] Michel Cassé, Du vide et de la création, Odile Jacob, pp. 72-73. E o estudo de Pierre Lévy, Qu'est-ce que le virtuel?, Éditions de la Découverte.
[2] Bergson, Matière et mémoire, Édition du Centenaire/PUF, p. 250 (os capítulos II e III analisam a virtualidade da recordação e a sua actualização).
[3] Gilles Châtelet, Les Enjeux du mobile, Éditions du Seuil, pp. 54-68 (das “velocidades virtuais” aos “cortes virtuais”).
Questões de esquematismo: comparar o conceito de arealidade de Jean-Luc Nancy com o conceito de espaço paradoxal de José Gil.
Nem de propósito, e isto dá bem conta de uma espécie de preocupação comum que parece estar no ar do tempo, Jean-Clet Martin publica hoje um texto rico em indícios em que esmiuça possíveis linhas de divisão entre Deleuze e Badiou, na já famosa querela do conceito de multiplicidade e da teoria matemática dos conjuntos, a partir de Descartes (hélas!) e Leibniz. Tendo em conta que se trata, justamente, de tentar dar inteligibilidade ao que seria um espaço não-métrico, não-mensurável, portanto da ordem do intensivo e já não da extensão geométrica (a profundidade do spatium em Deleuze), e elevá-lo a conceito, bastava para revelar uma comunidade de pensamento. Se isso não bastasse, revelar ainda que o que fez com Aristóteles e Van Gogh serve de modelo para o que tento, neste momento, com a ambiguidade das concepções do espaço em Kant e a pintura de João Queiroz, em dois ensaios a sair ainda este ano.
Para já, voltar atrás e reler. E ainda mais atrás, a ideia está já nas primeiras publicações de Jean-Luc Nancy (num texto de 1977 e depois retomada na abertura de Ego Sum de 1979):
Ce qui survient au sujet, ce qui lui tombe dessus - au lieu de le soutenir d'une sub-stance, et même au lieu de le soutenir d'une parole - c'est finalement, comme on le verra, son aréalité, selon le concept qu'ailleurs nous avons commencé à proposer: son manque de réalité (qui ne fait pas absence, et qui empêche de se livrer à une égologie négative sur le mode de la théologie négative), et sa nature d'aire - area - d'espace ou d'étendue antérieurs à toute spatialité. L'aréalité n'est pas non plus la forme transcendantale de l'espace; antérieure au régime transcendantal (mais pensable seulement à partir de Kant), plus "primitive", l'aréalité s'étend comme le lieu inassignable de l'expérience informe que fait le "sujet" de son "propre" chaos.
Passar o jantar a debater políticas de tradução e chegar a casa e traduzir, de raiva, L'actuel et le virtuel, seminal texto póstumo de Gilles Deleuze, contra a aberração que é a sua edição em português ("Anexo: Capítulo V" in Diálogos, Relógio d'Água, Lisboa, 2004), não se pode considerar método de trabalho, pois não?
Um espaço como o espaço do corpo, onde o interior e o exterior são um só. […]
A dimensão da profundidade distingue radicalmente o espaço do corpo do espaço objectivo. […] O que é próprio desta profundidade é ligar-se ao lugar, dizendo-se então topológica: é uma certa ligação do corpo com o lugar que escava nele a sua profundidade. O espaço do corpo é esse meio espacial que cria a profundidade dos lugares. […]
Este corpo compõe-se de uma matéria especial que tem a propriedade de ser no espaço e de devir espaço, quer dizer de se combinar tão estreitamente com o espaço exterior que daí lhe advêm texturas variadas: o corpo pode tornar-se um espaço interior-exterior produzindo então múltiplas formas de espaço, espaços porosos, esponjosos, lisos, estriados, espaços paradoxais de Escher ou de Penrose, ou muito simplesmente de simetria assimétrica, como a esquerda e a direita (num mesmo corpo-espaço, portanto). […]
A "abertura" do corpo não é nem uma metonímia nem uma metáfora. Trata-se realmente do espaço interior que se revela ao reverter-se para o exterior, transformando este último em espaço do corpo. […]
Duas condições são necessárias para que o corpo onde fluem intensidades se forme: a) que o espaço interior, esvaziado, se reverta sobre a pele, constituindo então a matéria do CsO; b) que a pele, impregnada do espaço interior, se torne matéria-corpo do corpo pleno (espaço do corpo incluído).
Notemos que estas duas condições implicam a imanência. Já não há separação corpo/espírito ou espírito/matéria, já nenhuma transcendência vem perturbar os movimentos das intensidades.
Gil, José. Movimento Total. O corpo e a dança, Relógio d'Água, 2002, pp. 60; 65; 69; 77.
Aréalité est un mot vieilli, qui signifie la propriété d'aire (area). Par accident, le mot se prête aussi à suggérer un manque de réalité, ou bien une réalité ténue, légère, suspendue: celle de l'écart qui localise un corps , ou dans un corps. Peu de réalité du fond, en effect, de la substance, de la matière ou du sujet. Mais ce peu de réalité fait tout le réel aréal où s'articule et se joue ce qui a été nommé l'archi-tectonique des corps. En ce sens, l'aréalité est l'ens realissimum, la puissance maximale de l'exister, dans l'extension totale de son horizon. Simplement, le réel en tant qu'aréal réunit l'infini du maximum d'existence […] à l'absolu fini de l'horizon aréal.
Nancy, Jean-Luc. Corpus, Anne-Marie Métailié, 1992, p.39
E por causa da impossibilidade de ouvir uma das vozes mais singulares da filosofia contemporânea, esta quinta-feira em Serralves, uma pequena selecção bibliográfica a respeito:
La communauté désoeuvrée, Christian Bourgois, 1986
Corpus, Anne-Marie Métailié, 1992
Le sens du monde, Galilée, 1993
Être singulier pluriel, Galilée, 1996
La communauté affrontée, Galilée, 2001
La création du monde - ou la mondialisation, Galilée, 2002
Noli me tangere, Bayard, 2003
Vérité de la démocratie, Galilée, 2008
De resto, toda a investigação em ciências humanas – e portanto também a presente reflexão sobre o método – deveria implicar uma cautela arqueológica, ou seja, regredir no próprio percurso até ao ponto em que algo permaneceu obscuro e não tematizado. Só um pensamento que não esconde o próprio não-dito, mas incessantemente o retoma e o desdobra pode, eventualmente, ter pretensão à originalidade.
Agamben, Giorgio. «Avvertenza», Signatura rerum. Sul metodo, Bollati Boringhieri, Torino, 2008, pp. 7-8. Retirado e (imagino) traduzido (d)aqui, porque o meu ainda não chegou.
Pergunta Novalis: "para onde se dirige a alma de noite?"
Responde Maria Filomena Molder: "a alma de noite dirige-se para o seu sonho e toma a sua escada, o corpo."
Na imagem, "Ne Dors Pas" de Rui Chafes, 1999. Ferro, 380 x 260 x 180 cm