"[...]mas faz-nos esboçar uma realidade supra-sensível compatível com o uso experimental da nossa razão. Sem uma tal precaução, não saberíamos fazer o mínimo uso de semelhante conceito e deliraríamos ao invés de pensarmos.[...]"

21
Ago 08

 

 

Finalmente disponível, o texto de apresentação da representação oficial portuguesa à mostra de arquitectura da Bienal de Veneza traça o horizonte teórico da intenção e sobretudo da ambição do desafio que os comissários - José Gil e Joaquim Moreno - lançaram ao arquitecto Souto de Moura e ao artista plástico Ângelo de Sousa: "materializar temporariamente o heteronímico desassossego num contraditório Cá Fora", sintoma de "um «fora» em expansão «cá» dentro que põe este em movimento permanente e paradoxal", movimento este que difere do movimento extensivo que dá a medida do tempo aristotélico, antes tratando-se de movimentos intensivos, heterogéneos em si, massa de "um tempo que "saiu dos eixos""*, o tempo do acontecimento. Estamos assim, no vértice que considero mais fértil e urgente do pensamento e da criação da/para a contemporaneidade, que este projecto, aliás, assume como necessidade.

Desta maneira, todo o projecto parece estar assente numa perspectiva laboratorial, constitutiva de toda a "abertura de um novo campo de experimentação", de forma a potenciar essa "ilimitação do exterior no interior" que, por uma lógica do excesso**, abre os "intervalos diferenciais" de onde germina toda a criação, o novo in statu nasciendi. Todo um programa, está bom de ver.

Ângelo de Sousa, em declarações ao Jornal de Notícias, revela, de forma geral, de que maneira isto vai ser tentado, e o principal instrumento utilizado - o espelho -, elemento clássico e com forte tradição tanto na história da arte como do pensamento ocidental e recorrente em ambas as obras do artista e do arquitecto. Aquilo que o artista refere como o "inverso de mim", a minha imagem vista por mim como é vista pelos outros, provoca uma clivagem, uma ruptura e uma desorientação inconsciente face à imagem do corpo, abrindo um espaço de diferenciação entre elas, espaço de surgimento do(s) outro(s) em nós, até ao limite da impossibilidade de identificação. Por tudo isto, e muito mais, voltarei ao assunto certamente.

 

*Cf. Deleuze, G. "Sur quatre formules poétiques qui pourraient résumer la philosophie kantienne" in Critique et Clinique, Minuit, Paris, 1993.

**Cf. Gil, J. "A abertura do sem-fundo. Lógica do excesso" in O imperceptível devir da imanência. Sobre a filosofia de Deleuze, Relógia d'Água, Lisboa, 2008


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